domingo, março 12, 2006

Casa Vazia

Entrei em casa. Me surprendeu os móveis ainda estarem nos mesmos lugares. Quando muito havia mudado alguma planta. Na cozinha um fogão novo, o antigo mal servia para esquentar a água. Passei pelos corredores, abrí a geladeira, que estava quase vazia. Em meu quarto havia roupas de mulher jogadas no chão, uma garrafa de Uísque pela metade, uma taça com restos de vinho. Cinzas de cigarro e um sutiã. No banheiro as habituais calcinhas penduradas nas torneiras, que costumavam incomodar quando abria torneiras, mas que agora quase me comoviam. Minhas lembranças tinham sabor amargo.

Foi doloroso ver a casa tomada por toda essa vida sem mim. Doía perceber a vida alheia continuando o seu deslizar no tempo. Ver o seu desgaste, e ver que tudo estava velho e empoeirado. E que essa que era antes a minha casa já não tinha nada de mim.

Era muito dolorosa também a ausência de qualquer coisa que fosse, para me receber. Queria que tivesse alguém me esperando, alguém que ainda estivesse preocupado com meu sumiço repentino.
Parti sem deixar bilhete de despedida, sem dizer nada, nem um breve "tchau, estou indo, um dia volto".

Não, nada. Parti sem dizer adeus e depois de cinco anos tudo já tinha voltado ao normal. Ou melhor, ao normal não, mas tudo, de uma forma ou de outra, seguia adiante. O vazio de minha ausência já tinha sido preenchido pela esperança de que eu estivesse morto, e pela falta de esperança de que eu ainda estivesse vivo. Ninguém mais esperava nada. Não havia nem um bilhete, para caso eu chegasse assim, sem aviso, em um dia qualquer. Enfim, numa segunda-feira, no meio da tarde.

Sentei no sofá e liguei a TV. Era estranho ouvir de novo esse português, esse tradicional apresentador de programa de futilidades, que fala de nada, que fala de gente que eu nem mais sei quem é. Novas celebridades. De repente entrevistam um grande desconhecido, e eu via todas aquelas pessoas na platéia gritando quando ele entrou no palco. E tudo que me era tão familiar já me havia escapado, e tampouco tinha sido familiar minha vida nesse intervalo até aqui. Familiaridade era uma coisa que já não conhecia mais, e foi o que me fez voltar. Não existe mais nada que seja familiar para alguém que deixou de existir por cinco anos.

Voltei para retomar minhas raízes que sem pensar eu abandonei há cinco anos. Minhas raízes que me conheciam mais que eu mesmo conhecia a mim, minhas raízes que me alimentavam de calma e previsibilidade, tudo que eu odiava quando parti e tudo o que eu amo agora. Sempre fui uma árvore grande e velha, cheia de imensas raízes, mas de uma hora pra outra me pegou uma sensação de que me faltava alguma coisa. Então decidi partir antes que me convencessem a ficar.

Não sei o que ocorreu neste lapso, não sei quem chorou, não sei quem sorriu. Imagino que a muitos deve ter doído, imagino um grande alvoroço, a polícia, apelos à imprensa, muito dinheiro jogado fora. Tudo por um simples capricho meu, por minha triste condição egoísta. E depois, quanto mais tempo passava menos vontade e coragem eu tinha para ligar e dizer que estava bem, para ligar e avisar que estava vivo e que era por minha vontade que não voltaria. Tinha medo também que a voz que me ouvisse também falasse alguma coisa que me convencesse a voltar. Tinha medo de ouvir choro, de ouvir grito, de ver como as pessoas que dependiam de mim estavam sofrendo, e saber que sofriam os que eu amava. E que me amavam, e que agora me odeiam.

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Um comentário:

M__ disse...

"Mas fotografia há de ficar os laços invisíveis"...(Drummond)..Difícil copndição do eu/outro(s)..de quem é o egoismo? E a outra face do ódio?